segunda-feira, 24 de maio de 2010

Da história de Os enamorados


Em janeiro de 2007, entrei pela primeira vez no Piccolo Teatro. Fazia um frio de rachar em Milão com neve e tudo, e ali no Piccolo senti o calor de casa. Calor da casa não só do Brasil, mas da casa dos meus avós milaneses que nunca conheci, mas que por coincidência haviam morado ali por perto.

Me aceitaram como ouvinte na Escola de Teatro do Piccolo e assim acompanhei durante seis meses as aulas, ensaios e apresentações de um talentoso e simpático grupo de jovens atores italianos.

Esta foi uma experiência incrível, da qual nunca vou me esquecer. A seriedade e disciplina daqueles jovens atores era invejável. Não deveria ser de outra forma, já que eram cerca de 20 atores de toda Itália e tinham sido escolhidos dentre tantíssimos. Invejável também era a equipe de professores, que tinha em sua maioria mais de 60 anos, dentre eles: Luca Ronconi, Enrico d’Amato, Lydia Stix e Marise Flach (www.piccoloteatro.org).

Ao final dos 6 meses, o grupo foi dividido em 2 subgrupos, os quais encenaram “A Gaivota” de Tchekov e “Os Enamorados” de Goldoni.

Assim, conheci “Os Enamorados” e também me enamorei. Era um texto do Goldoni que não conhecia.

Quando cheguei ao Brasil, tive vontade de traduzir o texto, já que ninguém tinha ouvido falar e que se tratava de um autor italiano tão conhecido.

Só comecei a traduzir “Os Enamorados” de fato quando Antonio Fábio e Will Brandão mostraram interesse em ler o texto. Esse foi meu grande estímulo. Cada nova cena que traduzia eu ia enviando para eles, que iam juntando as cenas dos próximos capítulos e construindo a história do casal de namorados.

Foi um trabalho muito difícil, árduo. Nunca havia traduzido um texto antes e não sabia que era tão trabalhoso. Cada palavra a ser traduzida era muito bem estudada, ainda mais por se tratar de um texto do século 18 com uma linguagem que não se ouve nas ruas da Itália de hoje.

Para dificultar ainda mais a tradução, o texto de Goldoni tinha expressões de época em uma espécie de milanês, pois o texto original se passa em Milão. No entanto, eu tinha uma carta na manga: Renata Proserpio, minha mãe caríssima, que aprendeu como primeira língua o milanês e me ajudou muito na tradução. Outra ajuda super importante foi a de Lívia Cunha, amiga que também morou na Itália e que acelerou o processo de tradução.

A idéia não foi a de traduzir o texto para seu equivalente em português. O texto foi traduzido com o intuito de montar o espetáculo, e assim, já no processo de tradução, algumas adaptações foram feitas de acordo com o contexto que queríamos retratar. O texto de Goldoni parecia muito formal; com uma linguagem distante de nossa época; com modos formais de tratamento entre as pessoas que a língua italiana naturalmente possui; e com expressões italianas e construções de frase que não se entenderiam bem se fossem traduzidas ao pé da letra. Buscamos uma linguagem um pouco mais coloquial, mais próxima do público.

Com o texto traduzido, pensávamos ter em mãos a única versão para o português dos Enamorados, mas finalmente descobrimos através do ator Agê Habib que existia sim uma tradução chamada “Os Apaixonados”, encontrada no Rio de Janeiro. Entretanto, esta foi uma tradução que não contribuiu para o nosso espetáculo, pois nos soava antiga. O título “Os Apaixonados” parecia também ser inadequado, já que Goldoni escreve o texto inspirado nas personagens típicas da commedia dell’arte que são os enamorados. Normalmente, os enamorados são personagens que se amam, mas que, por algum motivo externo a eles, não conseguem ficar juntos. Neste texto de Goldoni, os enamorados são os protagonistas da história e também se amam, mas que, por motivos intrínsecos a eles mesmos, os ciúmes, não conseguem ficar juntos.

Afinal foram meses de tradução, mas o texto que utilizaríamos para a peça ainda não era aquele. Precisávamos de cortes e adaptações e isso quem se encarregou foi o diretor Antonio, para que pudéssemos contar a nossa versão dos Enamorados de Goldoni.

Gostaria de agradecer às contribuições de Renata Proserpio e Lívia Cunha à tradução e também aos atores e diretor do espetáculo, que durante os ensaios encontraram palavras mais adequadas para contar essa história.

As palavras que usamos em cena são apenas pretexto.

Luisa Proserpio

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